Gestão de telecomunicações: a arte do malabarismo

Não existe consenso em relação à origem do malabarismo, mas uma das correntes diz que é uma arte milenar, de procedência chinesa. Consiste em manipular simultaneamente objetos com agilidade e precisão. Segundo especialistas na arte, a destreza é função de alguns elementos essenciais: prática constante, concentração para evitar a interferência de elementos externos, lateralidade, reflexo para corrigir desvios e estudo dos princípios técnicos que o regem.

Os gestores de telecomunicações, na nossa visão, são autênticos artistas de malabarismo. Eles precisam manipular simultaneamente inúmeras questões para desempenhar seu papel e cumprir com eficiência e eficácia suas responsabilidades nas empresas.

Primeiramente, são internamente cobrados pelas áreas de negócio das empresas em que trabalham para atender com agilidade às demandas por mais dados, mobilidade e colaboração na comunicação, segurança das informações e velocidade de processamento. Isso apenas para se concentrar naquelas demandas mais evidentes, que visam proporcionar uma prestação de serviços de melhor qualidade aos clientes das empresas.

De acordo com estudo feito pela Cisco, o volume mensal de tráfego IP pelas redes do Brasil chegará a 3,5 exabytes em 2016, ante 420 petabytes em 2011. Só para se ter uma ideia, é como se cada um dos cerca de 80 milhões de usuários de internet trafegassem o equivalente a 2 DVDs por dia (o que logicamente hoje nem em sonho seria possível, dada a baixa qualidade das redes disponíveis no país).

Isso se deve ao crescimento da base de dispositivos móveis, expansão dos planos de banda e ampliação da oferta de serviços. De fato, olhando a evolução do número de conexões, essa tendência é muito evidente. De 2006 até 2012, o número de celulares saltou de 99,9 milhões para 261,8 milhões, e o número de acessos a banda larga saiu de 5,7 milhões para 17 milhões, de acordo com o portal Teleco.

A julgar também pelo comportamento das pessoas em usar mais intensamente seus dispositivos móveis no ambiente de trabalho, e na, digamos, quase que necessidade de aumentarmos a prática do home-office por conta da questão de mobilidade urbana, esse quadro amplifica ainda mais a pressão sobre os gestores de telecomunicações nas demandas internas de negócio.

Em segundo lugar, os gestores também precisam equilibrar uma questão de natureza extremamente complexa, que é o relacionamento com os provedores de serviços de telecomunicações. Essa complexidade é reflexo de inúmeros fatores, entre eles: a enorme (e na maioria das vezes confusa) oferta de serviços, tecnologias e planos, contratos de prestação de serviços de difícil entendimento, falta de uniformidade na maneira como as operadoras segmentam o mercado (o que leva, por exemplo, um mesmo cliente a ser atendido como grande empresa em um provedor e como média empresa no outro), atendimento técnico não homogêneo no país por conta de uma infraestrutura defasada (fatídico problema de não uniformidade na cobertura, principalmente, das redes de dados corporativas e de dispositivos móveis) e comprovada baixa qualidade na prestação dos serviços (SLAs – Service

Level Agreements) não atendidos, erros de cobrança, demora no reparo e problemas no cancelamento, para não cansar o leitor com a extensa lista de ofensores.

Entretanto, vamos nos concentrar em dois aspectos que saltam mais aos olhos, especialmente porque as evidências de mercado são muito contundentes e exigem dos gestores muita coordenação e atenção (e por que não dizer paciência) na arte do equilíbrio: a questão da infraestrutura e da qualidade.

No que se refere a infraestrutura, há um consenso geral (clientes, governo e operadoras) de que ela está muito aquém em termos de cobertura e modernização. No entanto, os entraves para que algo concreto ocorra parecem ser intransponíveis. As operadoras alegam (com razão) a pesada estrutura tributária como um dos principais elementos que as impedem de investir mais, mas também citam a falta de profissionais qualificados no mercado em quantidade suficiente e dificuldades do ponto de vista de regulamentação.

Por outro lado, o governo critica o comportamento das operadoras, dizendo que suas estratégias preveem exclusivamente a rentabilização dos serviços já lançados. A Anatel cobra do Legislativo um avanço na regulamentação do setor, pois a Lei Geral das Telecomunicações, de 1997, está muito concentrada em telefonia fixa, e cobra também do setor privado mais organização para formular políticas públicas.

Na matemática, chamamos isso de equação sem solução. Olhando para os números do setor, vemos, por exemplo, que o percentual de municípios atendidos por apenas uma operadora de telefonia celular é de quase 40% (fonte: Anatel). Outro dado crítico é sobre a velocidade média dos acessos SCM no Brasil: incríveis 2.192 Mbps (Fonte: Akamai). Agora, pensem na missão de um gestor de telecom que precisa de alternativas para atender as filiais, ou lojas, da sua empresa em termos de capilaridade e velocidade...

Enquanto fica claro o descompasso entre as evidentes necessidades de investimento e as ações de estímulo, os gestores de telecomunicações é que acabam sofrendo de maneira mais acentuada o impacto de uma infraestrutura inadequada.

No âmbito da qualidade da prestação de serviços, as evidências são ainda mais claras para comprovar a árdua tarefa dos profissionais de telecom das empresas. Um teste recente conduzido pelo Simet (Sistema de Medição de Tráfego Internet), controlado pelo Ceptro (órgão que tem como objetivo estudar a situação da rede no país), avaliou a qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de telefonia celular na tecnologia 3G sob diferentes aspectos (taxas de download e upload, latência e taxa de perda de pacotes).

Em relação à taxa de perda de pacotes, apenas uma operadora ficou melhor que o padrão de 2%. As perdas de pacote durante uma chamada VoIP causam o «picotamento» da ligação, atrapalhando a compreensão da conversa. Em relação à latência, nenhuma das operadoras alcançou o valor de 80mS (milissegundos), considerado ideal pelo Simet. A latência consiste no tempo que determinada informação leva para ir e voltar para o usuário. Analisando os principais ofensores na Central de Atendimento da Anatel em 2013, tanto para os serviços de telefonia fixa quanto para banda larga e telefonia móvel, as três primeiras posições (com mais de 50% dos casos) foram Cobrança, Reparoe Instalação.

Em suma, há debilidade em todo o ciclo de entrega do serviço: na instalação, no fornecimento, no reparo e na cobrança. Esse tema é muito crítico para o gestor de telecom, uma vez que está implícito em sua responsabilidade assegurar que o serviço prestado para os clientes internos ou externos da empresa funcione adequadamente, dentro dos níveis de qualidade combinados. E com esses indicadores de qualidade observados junto às prestadoras de serviços, é muito improvável que os gestores consigam garantir uma operação sem sobressaltos.

Um terceiro elemento a ser equilibrado é a questão da eficiência, o famoso lema “fazer mais por menos”, sem obviamente colocar em xeque o nível de qualidade na prestação do serviço. Especialmente em momentos como o atual, nos quais paira sobre o mercado um sentimento de incerteza e falta de confiança no crescimento da economia, a busca por redução de custos, assegurando no mínimo a manutenção dos SLAs existentes, torna-se um objetivo a ser perseguido pelas empresas, como fonte de melhoria dos resultados operacionais.

Entretanto, alguns fatores, tais como a falta de informação sobre contas, tarifas, contratos vigentes, parque de ativos e recursos existentes, e o desconhecimento tanto a respeito de preços de mercado (por tipo de serviço, volume contratado, região do país e provedor do serviço) quanto das alternativas   existentes em termos de serviços e operadoras criam barreiras para os gestores conduzirem processos profícuos de redução de custos.

Não se trata apenas de estabelecer uma tomada de preços no mercado! Um processo de renegociação bem estruturado pode incrementar o percentual de redução de 10% a 15% para índices superiores a 40%, com uma conduta bem estruturada. Nossa experiência revela que um conhecimento especializado do negócio das operadoras, das condições de contratação, dos preços de mercado e de técnicas específicas de negociação nessa indústria faz toda a diferença para que o gestor consiga equilibrar de maneira satisfatória a questão da eficiência.

O último e não menos importante componente presente na relação de itens que os gestores precisam equilibrar é o tema da regulamentação. Algumas declarações públicas recentes da Anatel vão na linha da defesa de mudanças para o setor também no nível legislativo, que foge à alçada da agência. Segundo a Anatel, a Lei Geral de Telecomunicações, aprovada pelo Congresso em 1997, está obsoleta, pois ela tem foco ainda em telefonia fixa e não apresenta tratativas específicas para o mercado corporativo.

Por exemplo, a regra quanto ao prazo para retorno a uma solicitação feita pelo cliente junto à operadora não especifica o número de dias máximo em que a operadora deve responder quando se tratar de uma solicitação relacionada a telefonia fixa (ela define o prazo de 5 a 10 dias úteis para telefonia móvel). Quando uma empresa realiza uma contestação de conta, a regulamentação também só especifica o prazo de resposta (30 dias úteis) no caso de telefonia móvel. Os serviços de telecomunicações prestados no regime público (telefonia fixa) têm sua existência, universalização e continuidade asseguradas pela União, portanto, a prestadora de serviço não pode recusar o atendimento de interessados em contratar o serviço. Nota-se no mercado que algumas operadoras optam por não entregar propostas a clientes interessados em promover uma negociação de preços.

Voltando ao paralelo do malabarismo, um aspecto determinante na conquista de maior destreza é o conhecimento dos princípios técnicos que o regem. Mais concretamente, existem teorias matemáticas que ajudam o praticante a ser mais preciso na arte. Da mesma forma, traduzindo para o ambiente corporativo, existem conhecimentos específicos que conferem maior probabilidade de sucesso para os gestores enfrentarem esses desafios.

Existem também empresas especializadas em apoiar os executivos de telecom na gestão equilibrada desses elementos. Pela natureza dos temas que foram levantados, seria ingênuo esperar uma solução externa milagrosa, uma vez que a resposta não está somente nas mãos dos gestores. Porém, existem empresas que podem contribuir de maneira significativa na administração das intempéries às quais os executivos estão sujeitos.

Algumas consultorias especializadas detêm uma base de conhecimento a respeito dos preços praticados no mercado (por volume, serviço, região) que ajudam os gestores a endereçarem a questão da redução de custos de maneira mais assertiva, rápida e eficiente. Também faz parte do conhecimento especializado o domínio sobre a regulação do setor, que pode apoiar os gestores de maneira determinante na elaboração de contratos mais flexíveis e otimizados. Também está no escopo de atuação de algumas empresas um acompanhamento sistemático do nível de qualidade dos serviços prestados pelas operadoras, com um processo organizado para identificar e atuar rapidamente sobre eventuais falhas, tomando ativamente as medidas cabíveis junto às operadoras.

Inovação, agilidade, qualidade, eficiência e regulamentação são os desafios complexos que os gestores de telecom precisam enfrentar. Equilibrar todos esses aspectos os tornam verdadeiros artistas.

 

Autor: 
Sergio Wainer - Sócio Diretor e Administrador da VIA\W